sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Mulheres de Santar

Bem sei! Prometi escrever sobre um outro tema, que não aquele por onde me vou perder agora.
Com certeza o farei! Não sei como, nem quando, mas cumprirei a promessa que fiz aos autores do Indigente! Será quando a inspiração aparecer, o permitir.
Mas eu não poderia iniciar-me neste projecto que já acalento, sem começar por aquelas pessoas e ou momentos que me fizeram apaixonar pela Vila de Santar e que são, em boa verdade, os responsáveis por hoje estar aqui também.
Sendo a única mulher, para já, neste espaço, também não podia limitar-me a ser só mais um número. Entendam que, tinha que pelo menos começar com algo mais femenino, mais do meu eu, um ar de graça, se preferirem.
E a começar por algum tema, que me leve a investir um pouco de mim em Santar, só o poderia fazer, falando da minha Avó Hortênsia e de um episódio que me aconteceu há pouco tempo. São estes momentos, estas pessoas que hoje fazem de mim uma voluntária por esta causa:o Indigente.



A Mafalda, amiga de há muitos anos, está de visita a Lisboa. Ela é assistente social e anda sempre de um lado para o outro com famílias ciganas e/ou de circo. É uma saltimbanca. :-)
Sempre que vem a Lisboa, é costume encontrarmo-nos para jantar e pôr as novidades em dia. Desta vez não foi diferente.
Combinei ir buscá-la ao circo, onde vive a família com quem está a trabalhar de momento e levá-la ao restaurante onde estariam outras duas amigas à nossa espera.
Como eu, e quem me conhece sabe que é verdade, perco-me em todo lado com muita facilidade, resolvi levar a Sílvia comigo.
Chegamos, já no fim do espectáculo e tal como combinado, fomos procurá-la nos “bastidores" (não sei se no circo é assim que se chama).

Revê-la é sempre uma alegria, uma festa.

- Titá, dá-me só um minuto. Tenho que me despedir de algumas pessoas e já venho.

Reparei que existia uma cumplicidade enorme entre ela e o Homem com quem falava, e eu, que não resisto a estas coisas, disse-lhe:

- Oh Mafaldinha, se quiseres podes trazer o teu amigo.
- Achas que sim? Então espera um minuto.

Foi falar com ele e trouxe-o até nós.

- Jaime, estas são duas amigas minhas de há muitos, muitos anos: a Titá e a Sílvia.

O Jaime, que pelos vistos já sabia do convite disse:
- Obrigado pelo convite. Adoraria ir, mas tenho que me deitar cedo porque amanhã tenho que apanhar um comboio para Nelas às 7h00 da manhã.
- Para Nelas? Mas isso é a minha terra! Respondi com a alegria típica do Português que encontra um conterrâneo.
- Para ser exacto, o comboio vai até Nelas, mas eu vou mesmo para Santar.
A Sílvia deu um gritinho e disse:
- Mas Santar é que é mesmo a terra da Titá. Eu também já lá estive. Vai adorar! É uma vila muito agradável.
Ele virou-se para mim e disse:
- Aí é!?! Também é a minha Terra!
- Sim?!? Perguntei incrédula. Santar é uma Vila pequena. Conheço toda a gente….
- Então, talvez me possa ajudar! Vou procurar uma Senhora a quem devo a minha vida!
Os meus pais são ciganos, como já deve ter reparado, e há 38 anos atrás viviam com muita dificuldade. Tinham um pequeno circo que andava de aldeia em aldeia.
Chegaram a Santar em Novembro e minha Mãe estava grávida de mim. Por um qualquer esforço entrou em trabalho de parto antes do tempo e começou a parir no acampamento onde estavam, num largo, em frente a uma igreja.
Um Senhor que vinha de velar um amigo, reparou no que estava a acontecer e comentou que estava muito frio para ela estar ali, que deviam procurar quem os recebesse e ajudasse....Mas quem recebia ciganos? Não recebem agora, quanto mais há 38 anos atrás e numa vila conservadora.
Ao que parece o Senhor chegou a casa e comentou a cena com a esposa.
Essa Senhora saiu a correr de casa e foi ter com minha Mãe. Levou-a para a casa dela e ajudou-a no parto, chamando o médico da terra. Ao que parece, era costume esta Senhora fazer isto. Recebia pessoas necessitadas em sua casa e ajudava toda a gente.
E lá nasci eu! Eu estava bem, mas a minha Mãe teve algumas complicações e essa Senhora deu guarida a meus pais durante um mês inteirinho. Ficámos junto a um forno da casa dessa Senhora onde todos iam cozer a broa. Alimentou-nos e aqueceu-nos sem fazer qualquer distinção entre nós e a restante família. Inclusive tratou de meu baptizado.
Neste momento, já eu tremia. Sentia-me tonta. Quase vizualizava o que ele contava.Reconhecia este tipo de atitudes. Esta história era me familiar. Cresci e vivi no meio de inúmeras histórias destas.
Desejei que se calasse por um momento, para que eu acalmasse a saudade que já amargava na boca, mas o Jaime continuava entusiasmado e as palavras dele ecoavam alto e a bom som...por segundos deixei de ouvir a descrição exaustiva que fazia do seu próprio batizado, apesar que, de quando em vez, reconhecia algo, alguma coisa....e ele continuava:
- Toda a vida, a minha Mãe falou desta história e me fez ver a divida que tinha para com esta Senhora. Agora que minha Mãe morreu, acredito que devo procurar estas raízes.
Para mim, basta-me ver a casa onde nasci e talvez encontrar alguém da família dessa Senhora.
- Talvez a Titá conheça. Chama-se Hortênsia Sampaio.

O Jaime olhou para mim e ficou estarrecido.
- Então? Sente-se bem?

Tanto a Mafaldinha, como a Sílvia tinham os braços sobre os meus ombros e seguravam as minhas mãos que tremiam. As lágrimas corriam pela minha cara, ao mesmo tempo que esboçava o maior sorriso de que me lembro.

- Meninas que é isso?Então, sei que é uma história comovente, mas não é caso para ficarem assim. Desculpem, mas….

- Jaime! Essa Senhora é a minha Avó….. A minha Avó Hortênsia…respondi comovida.

11 comentários:

Anónimo,  30 de janeiro de 2009 às 12:25  

Já tinha lido este texto por algum lado! :)

Serve para nos dizer, o como o mundo é pequeno!

Grande coincidência e grande alegria par ti não?

Cumps

Nilson Barcelli 30 de janeiro de 2009 às 17:51  

Comoveste-me com esta história.
Eu sabia, há muito tempo, que os teus genes eram especiais.
Agora fico a saber porquê cara amiga.
Bom fim de semana.
Beijo.

Conceição Tavares,  13 de maio de 2009 às 20:59  

Não vejo tamanha compaixão na família citada, se bem que entre todos os Sampaios desta terra, a Senhora D. Hortense tivesse sido com muito boa pessoa.
Esta história fez-me vir à minha memória um outro aspecto da questão. Houve efectivamente uma família cigana alojada numa casa de Santar. Um dos membros dessa família era paralítica e usava uma prótese na perna cujo material era de cabedal. Essa família cigana, permaneceu alojada na parte inferior de uma casa pertencente, se não estou em erro, a uma santa mulher que vendia peixe e cuja vida era muito difícil, porém não hesitou e alojou esta familia cigana portas adentro, arrostando com a ira de seu marido por tamanha ousadia e temeridade. No entanto tudo se compôs porque o marido dessa Mulher, também era um bom Homem.
Para finalizar, direi ainda que essa familia, passados ulguns meses após ter pernoitado nessa "loja" direi para ser mais precisa, lagar, resolveu abandonar o seu "acampamento".
Mais tarde voltou para agradecer todo o bem que essa família lhes fez.
Esta é a verdadeira história de uma família cigana, alojada por outra família não cigana.
Eram diferentes as raças, mas é de realçar que vindo de duas famílias pobres de meios, para elas apesar de diferentes eram iguais. Parafraseando um slogan sobejamente conhecido por todos nós: Todos diferentes, Todos Iguais.


Para rematar, esta história pode ser confirmada peas pessoas mais idosas de Santar, acrescento ainda que esta hisória não teve a sua exisência há 35 anos mas sim há cerca de sessenta anos.
Já agora deixo à autora desta farsa, que não deve falar ou escrever na primeira pessoa. Isso é grave e é grave porque não nos devemos esquecer que há pessoas de boa memória e que acima de tudo, gostam de dar o seu a seu dono.

Titá 17 de maio de 2009 às 17:43  

@Sra. D. Conceição Tavares,

Se falei na primeira pessoa, foi porque o episódio que contei, o vivi. Também sei de pessoas que o possam comprovar
Não creio que a conheça, apesar de me tratar por tu, não sei quem é, mas não é a primeira vez que insinua acusações graves sobre a minha pessoa.

Sibilina,  18 de maio de 2009 às 11:42  

@ Exmª Senhora

Não é meu hábito deter-me com ninharias e muito menos quando essas ninharias vêm de pessoas muito susceptiveis de se melindrarem, só porque há alguém que conhecendo histórias VERÍDICAS as confrontas com as da Exmª Senhora.
Por esse motivo ahei-me com direito ao contraditório. Ele está exposto e apenas devo chamar-lhe, a Si Minha Exmªa Senhora, de quem não quer ser cordeiro não lhe veste a pele, no entanto mais lhe digo que, ao frequentar este blog e expondo os seus escritos, fica "in loco" exposta e sujeita ao ser julgada, porque como sabe, ou deveria saber, vivemos num estado de direito, a sua razão acaba onde a minha começa. Verdade de "La Palisse"
Conte sempre com o meu contraditório sempre que a ele haja lugar.
E mais digo, porque já me demorei demais com alguém que encaixa muito mal quando não lhe tecem loas.

Aos seus pés Minha Senhora

Conceição Tavares,  18 de maio de 2009 às 12:00  

Boa tarde à "Sibilina" e também à pessoa que gerou esta troca de mimos.
Não quero, de forma alguma ser pomo de discórdia entre quem quer que seja. Não quis, oa tutear a D. Titá faltar ao respeito ou tê-lo, sequer feito no sentido de menor consideraçao, da facto, peço a benevolência da minha opositora.
Deixo, no entanto, um aviso, cuidado as suceptibilidades exageradas,porque quando as paixões se sobrepoem à justiça, elas levam sempre ao fermento do ódio.


Deixo um agradecimento à "Sibilina" pela defesa, mas peço-lhe que não o volte a fazer
Obrigada

Anónimo,  18 de maio de 2009 às 17:08  

Isto é de loucos. Quem em SAntar não sabe das dezenas de pessoas que a Tia Hortencia acolheu no forno??
Se havia em Santar mais gente generosa quer tenha sido ha 60, 50 ou 40 anos ainda bem.
Tenham respeito!
A genorisidade aos Sampaios já ninguém lha tira

Luisa Gomes,  19 de maio de 2009 às 11:26  

Em Santar sempre houve muita gente boa e familias caridosas mas também fui uma das protegidas da Ti Hortencia. Havia sempre broa para quem tivesse fome e broa da melhor e igual so a da Senhora Teresa Sampaio outra SAnta mulher. Á concerteza muitas histórias destas vividas pelos Santarenses de antigamente que agora felizmente já todos teem de tudo e fico contente por se prestar aqui ohmenagem a uma familia que me ajudou muitas vezes.
cumprimentos santarenses a todos e continuem com o bom trabalho.

Anónimo,  12 de junho de 2009 às 00:56  

Santar foi terra de gente boa, corajosa e praticante dos mandamentos da Lei de Deus. Actualmente a vila está linda, diria bela. O trânsito mudou o seu curso e já não há ciganos nómadas por estas bandas. Será raro encontrá-los. A Tia Hortênsia foi fruto de boa cepa, a cepa dos Sampaio. Obrigada à Luísa, e a todos os que têm boa memória. A memória daqueles que andavam descalços, comiam a côdea do pão duro e mal sabiam o que era chouriço. Oh memória curta. A quantos não ajudou a Tia Hortência e não era preciso serem ciganos, eram apenas pessoas de modestas posses mas de reconhecimento e bondade. E sim, a família Sampaio sempre se destacou no seu altruismo, boa vizinhança e de uma cultura rara para a época. Não esqueçamos que se fala de pessoas que já fizeram mais de 100 anos de nascidas. Não esqueçamos que a sua generosidade ia a ponto de doarem lenha para cozerem o pão e tanto, tanto mais que as memórias impressas nas pedras graníticas de Santar não esquecem. Também é certo que haveria outras pessoas com a generosidade reconhecida à Tia Hortência, era fruto da época e as pessoas seguiam o velho ditado popular "JUNTA-TE AOS BONS E SERÁS COMO ELES, JUNTA-TE AOS MAUS E SERÁS PIOR DO QUE ELES".

Mais uma vez Titá nos relembras histórias antigas. Tenho outras que vivi com a Tia Hortência, a minha avó e com os meus pais relativas a este povo de nómadas. Havemos de conversar sobre elas.

Um beijo grande para ti e um ABRAÇO a todos os Santarenses mesmo os que não conheço.

Paulinha (para a família)

Anónimo,  12 de junho de 2009 às 01:03  

Tiago, Principe dos Sampaio

esta história não aconteceu ontem. Foi vivido há algum tempo, presumo.

Foi descrito e escrito por outros Sampaio. Há testemunho dele em mãos que conheces. Dir-te-ei um dia destes.

Acrescento, para não ferir susceptibilidades, que haverá outras histórias. Esta é muito concreta e diz respeito a um parto. Mas há mais, muito mais daquele tempo em que muitos do povo santarense se viravam para as crianças e diziam que "se não comes o cigano leva-te" ou coisa do género. Quase toda a gente tinha medo deles, os consideravam ladrões e coisas piores. Daí, ser tão interessante esta história que se passou com a Tia Hortência.

Até nisto os Sampaio se distinguem no respeito pela multiculturalidade.

Abraço-te,

Paulinha

Anónimo,  12 de junho de 2009 às 01:08  

Caríssima Conceição

acredito que tenha uma história semelhante à que a Titá cita. Fiquei curioso. Pode dizer-me a que família se refere e qual a história que confunde aqui.

Atenciosamente,

um amigo

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